É possível que todos os leitores deste blog já tenham lido algum artigo ou visto alguma reportagem em que se defende ou discorda dos últimos acontecimentos artísticos aqui no Brasil, principalmente e primeiramente o do Queermuseu e, posteriormente, no Museu da Arte Moderna em São Paulo (MAM). Infelizmemte pouco se encontra de proveitoso em tudo que foi dito e escrito na mídia, que me parece politizar o debate, às vezes até sugerindo que o movimento de reação aos dois eventos seja uma atitude prioritariamente da direita, ou ainda, o que me parece mais grave, encenando uma atitude de indiferença e assumindo um discurso de proteção à “liberdade artística”, não importando-se em deixar bem definido o que seria “arte” e quem poderia ter a “liberdade” para vê-la.

Em todo esse barulho “artístico” me veio à mente uma passagem específica de um conhecido romance de C.S.Lewis. Em “Uma Força Medonha”, Mark, um dos principais protagonistas do terceiro volume da Trilogia Cósmica, é exposto a uma sala com uma série de imagens que banalizam tudo aquilo que poderia ser chamado de normal. A inesperada reação de Mark ao lhe pedirem, no ápice da desmoralização pretendida, para que pisasse em um crucifixo com a imagem de Jesus em um crucifixo, talvez seja surpreendentemente idêntica à minha e à sua ao vermos as artes expostas no Queermuseu e no MAM:

” – Tudo isso é uma palhaçada.1

Não que o bom debate não seja algo realmente justo – tá aí uma coisa que não se viu nos grandes meios de comunicação nessas últimas semanas: um bom debate – a minha dúvida na verdade não diz respeito sobre como as partes ofendidas poderão chegar em um consenso com os ofensores, se é que existe essa possibilidade, mas sobre o verdadeiro motivo por trás de toda essa desmoralizaçāo. Mas voltemos, por algum momento, à história de Mark Studock.

Casado com Jane Studock, Mark é um professor universitário cujo objetivo de adentrar ao círculo progressista da universidade de Bracton, em Edgestow, acabou por levá-lo a uma íngreme descida a patamares cada vez mais baixos de degradação ética e moral, enquanto Jane, sua esposa, ascendia, em St. Anne’s, aos lugares cada vez mais altos do “céu”, descobrindo o verdadeiro sentido moral de sua vida 2 . 

Mark conseguiu uma bolsa de pesquisador no INEC, uma instituição de propósitos quase secretos, moldada por ideais bem definidos que, evidentemente, não pareciam tão claros a Mark no começo, mas que no decorrer da trama se mostravam cada vez mais perversos, nas palavras de Lord Fervestone, o objetivo do INEC era a”esterilização dos incapazes, liquidação das raças atrasadas […] e, finalmente, a manipulação direta do cérebro. […] Será a chave de tudo, enfim. Um novo tipo de homem.”3  Essa era a escada que Mark teria que descer se quisesse fazer parte do círculo mais íntimo do INEC. 

Contudo, e esse é o ponto que eu quero ressaltar, antes do INEC prosseguir com seus projetos demoníacos, havia algo que ainda devia ser feito: a extinção completa de todos os valores morais. O “novo tipo de homem” não poderia ser uma pessoa imbuída de algum tipo de valor moral, seria preciso uma esterilizaçāo completa.

Um dos momentos que mais me chamam a atenção na concretização desse objetivo é quando Mark é levado à aquela mesma sala a qual fiz alusão no começo desse texto. Ali ele é exposto a todo tipo de anormalidade: primeiro o próprio formato da sala, que não tinha nenhum padrão de dimensão; depois Mark logo percebeu alguns pontos e manchas espalhados na sala de forma bastante irregular; mas o que mais o assustou foram algumas fotos e quadros, em um deles havia “um retrato de uma jovem que mantinha a boca muito aberta para revelar que o interior da boca estava coberto por uma espessa camada de cabelo.” Entre os quadros e fotos espalhados pela sala, predominavam, para Mark de forma inesperada, “temas das escrituras”. Em uma outra imagem ele vê, por exemplo, uma grande quantidade de “besouros debaixo da mesa da Última Ceia”. Tanta vulgaridade, chegava-lhe parecer mesmo ingênua, mas ele faz uma observação pertinente para nossa questão sobre o Queermuseu e o MAM, era em toda essa ingenuidade vulgar que estava o perigo:

“Realizar pequenas obscenidades que uma criança muito boba talvez considerasse engraçadas […]” 3

O ponto culminante de toda essa crescente degradação é quando Frost, o professor encarregado pela aplicação do processo a Mark, pede-lhe para pisar em um crucifixo com a imagem de Jesus. Mark tinha obedecido, até então, a todas as ordens de Frost, mas, apesar de Mark não acreditar em Deus, pisar em um crucifixo parecia-lhe demasiadamente estranho, e por que, afinal de contas, um crucifixo? Mesmo arriscando a sua própria vida, ele se recusou:

“- Tudo isso é uma palhaçada, e o diabo que me carregue se eu fizer uma coisa dessas.”

O Diabo não iria lhe carregar, não mais.

O objetivo não fora alcançado com Mark e o desfecho é bastante interessante, mas meu spoiler para por aqui. Queria apenas ressaltar que os paralelos são no mínimo pertinentes para as questões que envolvem todo tipo de conteúdo negativo a qual o Ocidente passou a se acostumar com o tempo.

No Queermuseu havia uma quantidade espantosa de imagens obscenas (a Dra. Norma Braga fez uma análise geral bem interessante)mas a que me chamou mais a atenção foi a vulgarização da imagem de Jesus crucificado, na obra “Cruzando Jesus com o Deus Shiva” (1996) de Fernando Baril. Lembrei-me de Frost e da intenção maligna do INEC de esterelizar todos os padrões “impostos” pelo cristianismo. Em tempos em que se enche a boca para discursar sobre como o Estado é laico, descobrimos que tudo isso foi bancado pelo Lei Rouanet.

Pouco tempo depois ficamos sabendo que no Museu da Arte Moderna, em São Paulo, um homem andava nu ao lado de algumas crianças e que, para o espanto geral da população, as crianças chegaram, em algum momento, tocar o corpo do homem que andava sem nenhum pudor como se fosse uma arte móvel a circular na exposição de arte contemporânea. Tudo se tratava de uma leitura interpretativa da obra “Bicho”, de Lygia Clark. Alguém chegou mesmo a falar algo sobre a universalidade da nudez na arte, o que é admissível, mas daí a interação com crianças, é obviamente um pulo muito grande. O perigo consiste justamente, como ressaltou Mark, protagonista do romance de C.S.Lewis, que essas “pequenas obscenidades que uma criança muito boba talvez considerasse engraçadas”, sejam expostas justamente a elas.

O pior é vermos toda essa degradação disfarçada de arte contemporânea também assumir uma roupagem de educação quando, nas escolas de nossos filhos, ensinam homossexualismo, pedofilia e todo tipo de coisa com o total apoio e investimento do Ministério da Educaçāo (MEC); quando nas novelas, sob o pretexto de entretenimento, “normatizam” uma variedade espantosamente grande de todo tipo anomalia sexual que se possa imaginar.

É escolha nossa continuarmos dentro dessa sala de horrores ou, como fez Mark Studock, nos recusarmos a pisar no crucifixo. Podemos dizer que isso tudo é apenas arte ou, tão simplesmente, que tudo isso é, realmente, uma “verdadeira palhaçada”; nos acomodarmos no nosso sofá ou, como fez C.S.Lewis, transformar as nossas vidas em um ministério apologético contra toda essa filosofia distópica que visa perpetuar a abolição final do homem.
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1 Lewis, C.S. Uma Força Medonha. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. Página: 486
A esposa de Mark, Jane Studock, segue o caminho oposto, se aproximando da comunidade em St. Anne, liderada por Elwin Ransom. 
3Lewis, C.S. Uma Força Medonha. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. Página: 445.

http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=577


  • Sobre o Autor: Filipe Galhardo Sant’Anna é editor da Sociedade C.S.Lewis Brasil e Diácono na Igreja Presbiteriana de Jaconé.